Todos
os homens, sem excepção, desejam ter uma vida feliz e esforçam-se para a
conquistar. Alcançar a liberdade e a igualdade significa, em última análise,
viver uma vida feliz. Muitas guerras foram travadas com esse propósito. Até
parece que toda a história humana é a história da luta pela conquista da
felicidade. Todos os nossos projectos dirigem-se para esse objectivo, todas as
nossas energias são despendidas para alcançá-la. Parece que a felicidade é o objectivo
último da vida. Vamos examinar o que é essa felicidade que todos nós procuramos,
e o caminho que percorremos para a conquistar.
O
que é a felicidade? Precisamos conhecer com clareza o objectivo da nossa procura.
Se não o conhecemos, os nossos esforços talvez sejam em vão. Os antigos gregos
pensavam que a felicidade era o bem. Mas, na Idade Média e na Idade Moderna, o
significado formal de Aristóteles – o bem é a felicidade – foi alterado para o
significado mais materialista de que a felicidade é o prazer ou a ausência de
dor. John Stuart Mill (filósofo, economista e um dos pensadores mais liberais
do séc. XIX de Inglaterra), na sua obra “O Utilitarismo”, afirma: “Por
felicidade, entende-se o prazer e a ausência da dor; por infelicidade, a dor e
a ausência de prazer”. Stuart Mill estabelece diferenças qualitativas para o
prazer. John Dewey (filósofo e pedagogo norte-americano) faz distinção entre
felicidade e prazer, afirmando que a felicidade é permanente e universal, um
sentimento do ser como um todo, enquanto, que o prazer seria transitório e
relativo, um sentimento de alguns aspectos do ser. Aristóteles afirma que o bem
do homem – a felicidade – é uma actividade da alma de acordo com a virtude; ou,
se houver mais de uma virtude, então a felicidade estará de acordo com a melhor
e mais perfeita virtude. Já Spinoza (filósofo holandês) afirma que a felicidade
não é o prémio da virtude, mas sim a própria virtude.
Em
sânscrito, a felicidade é chamada de sukha. A sukha inclui tanto o estado
relativamente estático a que damos o nome de felicidade quanto a momentos
conscientes desse estado, ao qual a nossa psicologia se refere como um
sentimento prazeroso ou agradável. A sukha aplica-se igualmente à saúde física,
ao bem-estar material e à beatitude espiritual.
O
budismo divide em três o sentimento: sukha, felicidade; dukha, dor; e
adukhamasukha, sentimento neutro.
O
sentimento neutro é idêntico à felicidade – ou seja, à felicidade do tipo mais subtil.
Aos prazeres e à felicidade que têm origem nos cinco sentidos, chamamos de
felicidade dos desejos mundanos. A espécie mais subtil de alegria surge em
conexão com a prática do dhyana (meditação). No último estágio do dhyana, todos
os sentimentos positivos, alegria ou melancolia, fundem-se no sentimento neutro
ou indiferença; a perfeita clareza da mente é alcançada e a ignorância é
banida, de modo que a consciência fica em estado de completa equanimidade e
clareza mental. Sidgwick (economista e filósofo inglês) afirma que a felicidade
budista é um hedonismo universal, porque ela não é egoísta nem altruísta. A
missão de Buda não era apenas superar a dificuldade, mas também alcançar o bem
e a felicidade de todos os seres: trazer felicidade para si mesmo e para os
outros. No budismo, o esforço em direcção a um objectivo é felicidade – em
contraposição aos ascetas hindus que tudo sacrificam por um objectivo.
Vamos
agora trazer este tema para o nosso dia-a-dia. Alcançamos a felicidade de
muitas maneiras na nossa vida diária. No entanto, podemos dividi-la em três categorias:
a felicidade física, a material e a espiritual. Por física, quero dizer que a
pessoa é feliz porque é saudável, simpática ou bonita. Em termos materiais, ela
é feliz porque é rica, mora numa boa casa, tem um belo carro, muitas roupas,
jóias e uma despensa bem abastecida. A felicidade mental ou espiritual está na
amizade e no amor. A felicidade é criada quando a pessoa recebe honras,
louvores, simpatia, conforto, etc.
Estas
condições de felicidade dependem de causas externas. A felicidade é alcançada
pela posse de alguma coisa ou pelo recebimento de alguma coisa. Portanto,
quando a causa da felicidade deixa de existir ou é destruída, a felicidade
também desaparece. Ela está além do nosso controlo. Vejamos alguns exemplos. A
sua felicidade física: você é jovem e bonito, é simpático, tem boa saúde e é
forte. Com efeito, você é feliz e grato por isso. Mas, vamos supor que você
sofre um acidente e fica aleijado, ou doente; a sua felicidade não pode mais
depender da sua saúde. E é claro que, com o passar dos anos, a sua beleza e
vigor se irão desvanecer. Portanto, não se pode depender da saúde, da beleza e
do vigor para a felicidade verdadeira e eterna, embora estes sejam factores
importantes da nossa felicidade. Devemos alcançar uma outra felicidade que não
a física, a fim de podermos desfrutar a vida e ser felizes e gratos, mesmo que
estejamos doentes, velhos ou aleijados.
Kenkô,
famoso monge budista e autor de Tsurezuregusa, disse certa vez: “não vale a
pena termos um amigo que nunca experimentou a doença”. Uma pessoa saudável, que
nunca esteve doente, não compreende o verdadeiro sentido da compaixão e da
bondade. Uma pessoa assim tão saudável tende a tornar-se obstinada e a criar
atrito e discórdia. Num caso desses, a saúde não é uma fonte de felicidade, mas
sim de problemas. Também é evidente que a felicidade material é incerta e
duvidosa. Nesta nossa época regida pelo culto à riqueza, o dinheiro é tudo. As
pessoas acreditam que o “omnipotente cifrão” pode comprar tudo e todos. Na
verdade, o dinheiro é muito importante neste nosso mundo tão consciente dos
valores monetários. Mas a felicidade que é comprada com dinheiro irá se
dissolver quando o dinheiro acabar. O dinheiro trás felicidade, sim, mas ao
mesmo tempo traz miséria. Logo, o dinheiro não é o caminho para a felicidade.
Um belo carro, uma boa casa, boa comida, roupas finas e outros pertences estão
na mesma categoria. Estas coisas são importantes e trazem felicidade, mas são
duvidosas e incertas; e muitas vezes, trazem o sofrimento através da destruição
do roubo ou da inveja. Tão-pouco podemos depender da felicidade trazida pelo
amor, pela amizade, pela simpatia e pela bondade dos amigos, pois o amor frequentemente
se transforma em ódio e os amigos em inimigos, já que todas essas coisas são
relativas. A felicidade trazida por meios físicos, materiais e mentais é
alcançada através de causas externas. E é exactamente por isso que não se pode
depender dela. Devemos, portanto, procurar as causas internas da felicidade,
não as suas causas externas.
O
budismo ensina-nos a olhar o âmago das coisas, em vez de olhar à volta delas.
Devemos olhar para o interior de nós mesmos, a fim de vermos o que cria a
felicidade. Por exemplo, ser amado é felicidade, mas amar também é felicidade.
É fonte de felicidade receber-se alguma coisa; mas também dar e compartilhar é
felicidade. A felicidade do doador é mais rica e permanente que a do receptor.
No espírito do verdadeiro dar, compartilhar e amar, não há limites. A
felicidade é o próprio amar e compartilhar, não necessariamente o seu
resultado. A verdadeira satisfação do trabalho é o próprio acto de trabalhar,
não o resultado do trabalho. A verdadeira felicidade não é aquela que recebemos
de fora, mas sim aquela que é criada dentro de nós. O homem moderno em geral é
um “buscador de resultados”. A sua atitude é a de fazer alguma coisa se esta
lhe trouxer algum benefício; pois, se não obtiver lucro, de que adianta fazer
alguma coisa? Os buscadores de resultados são os buscadores de lucro. Em outras
palavras, o homem moderno pensa que o fim é mais importante que os meios.
Alguém disse que duas ideologias modernas estão representadas por Estaline e
Gandhi: o caminho de Gandhi é que os meios são tão importantes quanto o fim,
enquanto, para Estaline o fim é tão importante que justifica os meios. Os
budistas aprendem que todos os passos e todos os meios são muito importantes.
Cada meio é, em si, um fim. Para o artista, o músico e o escultor, o trabalho
em si é prazer e felicidade; mas, para aquele que só pensa em dinheiro, o
trabalho nada mais é que um meio de ganhar dinheiro. Trabalho significa dor e sofrimento;
o sofrimento precisa de ser compensado gastando dinheiro: esta é a vida
moderna. Sinto muita pena das pessoas que vivem esse tipo de vida. A pessoa
mais feliz e afortunada é aquela que gosta do seu trabalho, além de ganhar
dinheiro com ele.
O
verdadeiro caminho para a felicidade é a percepção da nossa própria vida. É o
desabrochar do ser como um todo. O verdadeiro caminho para a felicidade está no
dar, não na felicidade do receber. Precisamos de encontrar o caminho do amar,
não o de sermos amados. A vida do eterno dar, amar, compartilhar e apreciar o
trabalho é sempre criativa e infinita, enquanto os outros caminhos para a
felicidade levam a fracassos e desapontamentos. A verdadeira felicidade não nos
é dada – nós a criamos. Se você é infeliz, não culpe os outros ou o meio
ambiente. É a sua mente, a sua atitude, que o fazem sentir-se miserável. Pode
ser útil mudar de casa ou de emprego, mas essa não é a cura completa para o seu
problema e a sua infelicidade.
A atitude correcta e uma mente clara e correcta
são o caminho para a felicidade.
Budismo
Essencial
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